Um Mês de Distância
Meu caro leitor, um mês antes do Natal é o momento perfeito para contar esta história. Pois o Nascimento estava a cerca de um mês de distância quando nosso viajante fez esta jornada.
Oito meses antes, Miguel deixou os céus assim que o Filho entrou no reino dos homens. Sua missão era clara. Miguel, invisível e silencioso, deveria vigiar a Luz divina, sempre em alerta. Sua missão de proteger e guardar o Filho neste reino era uma honra, e ele permanecia diligentemente perto Dele a cada momento.
Mas hoje, a missão de Miguel se expandiu. Nosso estimado membro da hoste celestial foi chamado à grande cidade. O plano que se desenrolava ao redor dela estava entrelaçado com o dele. Ele deveria verificar esses planos e supervisioná-los também.
Quando Miguel saiu da casa onde Maria estava assando pão, ele entrou em uma pequena rua em Jerusalém.
Ele ficou impressionado com a escuridão ao seu redor. Ele se lembrava da luz em Sião de muito tempo atrás, mas essa luz havia se apagado coração por coração durante séculos. Essa escuridão sufocava a esperança e trazia um cansaço estampado nos rostos ao seu redor.
Os governantes gentios na cidade de Davi eram uma facada no coração do povo de Deus. Após a escuridão do exílio, Deus os trouxe de volta para casa. Sua mão os ajudou a reconstruir o templo. Eles estavam destinados a se tornar mais uma vez uma nação que mostrasse a luz de Deus a todas as nações. Mas a liberdade nunca chegou.
Babilônios, assírios, persas, gregos e romanos tiveram sua participação no governo sobre eles. Após quatrocentos anos sem um rei, sem autogoverno, sem um profeta, poderia o povo de Deus realmente acreditar que sua restauração estava completa? A maioria não acreditava. A escuridão dessa outrora grande cidade mostrava claramente sua crença de que o exílio permanecia. Eles estavam sem lar em sua própria terra. O desespero sem fé estava por toda parte.
Quando Miguel chegou ao templo, procurou cuidadosamente por um certo jovem entre os estudantes fariseus.
Em um dos grupos reunidos em um pórtico ao sul, perto de um dos portões de Hulda, Nicodemos estava absorto em pensamentos. Ele adorava esses dias em que ele e seus colegas estudantes saíam da sinagoga e ouviam um escriba ensinar a partir de seus pergaminhos.
Miguel o notou primeiro por causa da luz que emanava dele. Ele se destacava de seus colegas, cujas mentes eram perspicazes, mas cujos corações eram sombrios. A confirmação veio apenas quando ele viu Sariel parado nas proximidades. Ele se juntou ao ser majestoso, perguntando por que esse fariseu era importante para o plano.
Sariel explicou que Nicodemos havia sido designado para um papel crítico, embora o próprio fariseu não soubesse disso. Sariel o afastaria dos corações mais sombrios e o levaria em direção a outros da luz, pois ele estava destinado a se encontrar com o Filho. Esse fariseu não entenderia a princípio, mas brilharia intensamente a serviço do Filho.
Os dois observaram atentamente a luz sob sua responsabilidade, pois não era uma visão comum.
Mas esses seres celestiais podiam ver claramente que a luz nesse jovem fariseu era pura, pois vinha do próprio Espírito Santo. Mesmo agora, enquanto o escriba ensinava a partir dos escritos de Isaías, a luz em Nicodemos crescia um pouco. Nenhum anjo poderia oferecer isso, nem mesmo Miguel. Somente um coração humilde e ávido pelas coisas profundas de Deus poderia refletir a luz do Espírito. Sua luz ainda era fraca, mas genuína. Nicodemos tinha muito a aprender e muitos encontros divinos a experimentar, mas Miguel estava confiante de que o caminho para o encontro estava bem traçado.
Miguel se virou e entrou na grande sala da casa de Anás. Um grupo de saduceus ouvia enquanto Anás explicava os resultados de seu encontro com o oficial romano. Miguel ficou chocado com a escuridão que envolvia esse grupo. Muitos eram sacerdotes, mas não tinham nenhuma luz. Entre esses corações sombrios estava um jovem José Caifás, que se casara com uma filha de Anás. Esses futuros sumos sacerdotes já eram mais políticos do que clérigos.
Miguel estava bem ciente de que os anjos das trevas que se misturavam a esse grupo o detestavam, mas não ousavam desafiá-lo.
E ele não tinha desejo de perturbar a influência deles. Ele agora tinha certeza de que esses supostos sacerdotes sem dúvida cumpririam seu papel quando encontrassem o Filho. Fechando os olhos, Miguel chorou pelo povo liderado por pessoas tão sombrias.
Quando abriu os olhos, Miguel estava perto dos portões da cidade. Ele observou os transeuntes cuidando de seus afazeres. A escuridão fora da cidade era tão sombria quanto dentro dela. Miguel agora percebia que todo o Israel estava preso nela. Então ele o notou, pois sua luz era diferente. Ele parecia brilhar.
O invisível seguia bem atrás de Simeão, o que era bastante fácil, pois o velho era firme, mas lento. A luz ao seu redor era diferente. Este não era apenas fiel, ele tinha esperança. Em uma terra de desespero, entre um povo que caminhava na escuridão, Simeão tinha uma esperança genuína. Diferente daqueles que acreditavam que Deus os restauraria um dia, este homem de esperança esperava o libertador hoje.
Miguel foi acompanhado por Azrael, que vigiava Simeão.
Ele explicou que esse devoto conhecia bem as escrituras e caminhava tão irrepreensível quanto qualquer filho de Adão, mas o brilho vinha de suas orações. Mais precisamente, vinha da resposta às suas orações. Azrael falou sobre aquele dia, pois estava lá. Enquanto este homem de esperança orava, o Espírito do Deus Verdadeiro convocou Azrael. Juntos, eles ficaram ao lado dele. Azrael permaneceu em silêncio enquanto o Espírito começava a sussurrar suavemente. No início, Simeão não mostrou nenhuma mudança, mas logo seu espírito se acalmou, suas palavras cessaram e ele ficou ouvindo. Então, a transformação começou. A luz em Simeão mudou. Ela não se intensificou, mas se espalhou. A luz parecia preenchê-lo e, então, começou a irradiar ao seu redor. O devoto acreditou no Espírito e começou a refletir Sua luz.
Simeão estava agora convencido de que veria o Ungido com seus próprios olhos.
Anos de esperança para seu povo se tornaram uma esperança diária para ele mesmo. A razão dele ser escolhido permaneceu um mistério, mas era certo que ele havia sido designado para ver o Libertador. Desde aquele dia até hoje, Simeão não apenas irradiava esperança, mas também sentia o Espírito com frequência.
Miguel percebeu que o homem radiante estava indo ao templo para orar. E, de alguma forma, ele sabia que Simeão tinha feito disso um hábito. E que esse profeta desconhecido, quando encontrasse a Criança, proclamaria a mensagem exatamente como ordenado. Israel ouviria mais uma vez a voz do Senhor.
Miguel se virou e subiu uma colina a leste da cidade.
O acampamento à sua frente estava bem escondido, mas mesmo assim era vigiado de perto por Uriel. O grupo de homens em volta da fogueira tinha uma luz estranha dentro de si. Não era apenas que a luz deles fosse fraca, mas que a luz em si era diferente, de alguma forma corrompida. Eles acreditavam genuinamente no Deus de Abraão, Isaque e Jacó, mas não confiavam Nele nem nos Seus planos.
Uriel explicou que esses fanáticos haviam perdido toda a esperança de que Deus os libertasse, então planejaram expulsar os romanos por conta própria. E isso significava que precisavam de recrutas e armas, então se reuniram secretamente e planejaram. Eles eram devotos à lei, mas rejeitavam os costumes dos fariseus. Desprezavam os saduceus por trabalharem com os romanos e negarem a ressurreição. Esses guerreiros planejavam ter sucesso onde os macabeus falharam. Acreditavam que Israel, como nação escolhida por Deus, deveria mais uma vez mostrar a glória de Deus a todas as nações.
Miguel maravilhou-se novamente com a futilidade do pensamento humano.
Mas seus esforços equivocados serviriam ao plano do Senhor. Uriel retardaria seus esforços para atingir o auge justamente quando o Criador ordenasse a perseguição. Mas seu zelo deveria se espalhar o suficiente para alcançar Jesus Barrabás. O zelo vaidoso daquele era um detalhe crucial no plano divino.
Miguel não precisava verificar os observadores do céu no leste. Sua diligência era tão certa quanto as estrelas que observavam tão de perto. Eles veriam a estrela, o sinal de um rei, e viriam. Então, Miguel entrou naquela porta familiar em Nazaré, onde ficava muitas horas observando José trabalhar.
Miguel não se surpreendeu quando Gabriel apareceu ao seu lado.
Esse mensageiro de Deus não apenas falara com Maria, mas também visitara os sonhos de José. E ele o instruiria novamente quando necessário. A Luz do mundo seria protegida do mal.
Miguel explicou a ele como havia retardado o trabalho de José o suficiente para atrasar seus planos. O censo, por mais ilógico que fosse, havia sido decretado. José teria que fechar sua loja e viajar para Belém. Mas isso significava que ele precisava de dinheiro. Dinheiro que entrava muito lentamente para o plano de José. Ele queria viajar mais cedo para que pudessem voltar antes da chegada da Criança. Agora, a pior opção estava diante dele.
Esperar em Nazaré pela chegada da criança o faria perder o censo, pois após o nascimento, ele teria que visitar Jerusalém para apresentar a criança no templo.
Só depois disso ele poderia se registrar em Nazaré.
Esse plano teve que ser descartado. A única esperança de José era ganhar o dinheiro necessário e chegar a Nazaré antes do nascimento da criança. Enquanto José trabalhava com paixão e rapidez, ele orava para que o Todo-Poderoso lhe desse tudo o que precisava. Miguel não tinha dúvidas.
Gabriel informou que outros membros da família chegariam antes de José. O quarto de hóspedes de seu tio, disponível para hospedar parentes viajantes, estaria ocupado. Eles teriam que dormir humildemente perto do gado. Miguel mais uma vez se perguntou por que o Príncipe que ele havia contemplado em glória e majestade não apenas entraria no reino dos homens, mas também suportaria as condições mais humildes.
Nosso santo guarda passou por José e entrou na casa.
Maria, como sempre, não tinha ideia de que o invisível estava ali. Enquanto ela estava ocupada com seu trabalho, Miguel estudou a luz novamente. Por mais que a contemplasse, ainda não conseguia compreendê-la. Pois ali, no meio da luz dela, estava a glória indescritível da Luz. Dentro do seu ventre, o Verbo encarnado crescia como um menino. Sua Luz Sagrada não ofuscava a dela. Parecia fundir-se com ela. Ambas estavam ali, distintas e diferentes, mas, de alguma forma, eram uma só, unidas.
Maria interrompeu seu trabalho e, distraída, sentiu onde a criança acabara de chutar. Ela se lembrava de cada palavra de Gabriel; acreditava em cada palavra. E cada palavra se tornou realidade. Ela era virgem e estava grávida. Isabel, que antes estava envolta em vergonha, agora era famosa por seu filho milagroso, João. Mas Maria passou muito tempo tentando entender exatamente como seu filho poderia sentar-se no trono de Davi.
Essa criança era realmente um filho de Davi, mas o trono de Davi parecia completamente impossível.
Maria não conseguia imaginar que o filho de um carpinteiro pudesse se tornar um líder guerreiro poderoso o suficiente para se libertar de Roma. Mas, nesses momentos, ela se lembrava das palavras de Gabriel: “nada é impossível para Deus”.
Miguel observava enquanto ela olhava para o nada, absorta em pensamentos. Mas, tendo ouvido suas perguntas a José muitas vezes, ele sabia que ela estava ponderando o futuro da criança mais uma vez. Sempre lhe agradava que, em todas as perguntas e em todos os momentos de contemplação silenciosa, sua luz nunca vacilasse. Onde quer que seus pensamentos a levassem, ela nunca duvidava. Sua luz era segura.
Miguel falou o que ele e Gabriel acreditavam.
Seu Senhor havia escolhido bem. A Luz do mundo era amada, segura e perfeitamente dentro da vontade de Deus. Os planos estavam traçados. A plenitude dos tempos se aproximava. A escuridão do mundo, agora predominante nesta terra prometida, não resistiria.
Pois Gabriel estava ansioso para proclamar o que Isaías havia predito há muito tempo:
Levanta-te, brilha, pois a tua luz chegou. E a glória do Senhor se levantou sobre ti.
Mas esse tempo ainda estava a um mês de distância.