Jesus Recebe Honras Que São Devidas a Deus
Nesta série de seis artigos, usarei apenas dados históricos que até mesmo estudiosos céticos aceitariam para argumentar que Jesus não era apenas considerado igual a Deus por seus seguidores e pela Igreja Primitiva, mas que ele mesmo afirmava ser divino e agia de acordo com essa afirmação. Podemos até dizer que seus inimigos o acusaram de blasfêmia (por se considerar igual a Deus, no contexto judaico) e isso lhe custou a vida na cruz.
No artigo anterior, falamos sobre as fontes históricas do Novo Testamento. Neste artigo, começaremos a usar essas fontes para discutir, em primeiro lugar, que…
PARTE 2. Jesus Recebe Honras Que São Devidas a Deus
Na cultura e religião judaicas, a única pessoa digna de honra e adoração é Deus. As crianças judias ortodoxas memorizam o Shema desde muito jovens. Shema é a primeira palavra em Deuteronômio 6:4-9 e Números 15:37-41 e significa “Escute”. Em essência, contém o núcleo da crença judaica: “Escute, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.”
Embora o Shema fosse frequentemente usado em orações, sempre foi uma confissão de fé recitada na sinagoga. Para um judeu, era uma heresia tremenda (punível com a pena máxima) chamar alguém que não fosse Deus de “Deus” ou atribuir suas façanhas, honras ou adoração a alguém que não fosse Deus. O primeiro dos Dez Mandamentos é: “Não terás outros deuses diante de mim… Não os adorarás (não te curvarás diante deles) nem os servirás (nem os honrarás). Pois eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus zeloso”. No entanto, em Filipenses 2:5-11, Paulo, o “hebreu dos hebreus” — como ele se autodenomina na mesma epístola (3:5) —, doutor da lei e fariseu, honra e adora Jesus de uma forma reservada exclusivamente a Deus:
Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar de Cristo Jesus, que, mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário, ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana, ele se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.
É interessante que essa passagem seja provavelmente um credo pré-paulino. Portanto, podemos contestar a noção de que Paulo foi o inventor da divindade de Jesus. Este é um hino cristão muito antigo, em circulação antes de 60-62 d.C. (quando Filipenses foi escrito) e provavelmente em circulação já na década de 50.
Neste hino, Jesus está “na forma de Deus”, tem “igualdade” com Deus, recebe adoração de “toda língua”, é “SENHOR” e seu nome é maior do que qualquer outro — não apenas na terra, mas no céu. É revelador que Paulo tenha introduzido esse conteúdo como se não esperasse nenhuma controvérsia e sem uma defesa ou explicação robusta. Ele simplesmente afirma casualmente que todos os seres devem se curvar a Jesus e aceitá-lo como o próprio Deus! Esse é precisamente o tipo de afirmação que o Saulo pré-cristão teria motivos para silenciar com urgência e despotismo. É de se perguntar o que levou Paulo a mudar de ideia e proclamar aos quatro ventos as mesmas ideias que inicialmente tentou destruir (ver Gálatas 1:23). Em relação a essa passagem, Piñero admite que a afirmação de Paulo no versículo seis de que Jesus estava na “forma de Deus” é “difícil”, uma vez que a palavra morphē “aponta para a unidade de forma e substância” com Deus. Piñero conclui:
“Estaríamos diante de um dos casos difíceis de imprecisão retórica em que Paulo, que está sempre pensando no Cristo celestial, retroprojeta poeticamente qualidades divinas no Jesus humano”.
No entanto, dado o contexto da passagem e o cuidado com que Paulo escolheu as palavras no grego original, é mais do que óbvio que a intenção de Paulo é afirmar: “Jesus é uma divindade e deve ser adorado como tal”. Não há o menor indício de “imprecisão retórica” da parte de Paulo.
Na tradição judaica, Deus é o único destinatário da oração e somente Deus a responde (ver Isaías 45:20-22; Salmo 65:2), mas a primeira tarefa dos apóstolos após a morte de Jesus é invocá-lo em oração: “E, orando, disseram: — Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, revela-nos qual dos dois escolheste para preencher a vaga neste ministério e apostolado, do qual Judas se desviou, indo para o seu próprio lugar.” (Atos 1:24-25).
O termo usado nesta passagem por Lucas para indicar que os apóstolos “oraram” é proseuchomai. Este termo é sempre usado para se referir à oração a Deus e é mencionado repetidamente nos Evangelhos sinópticos e em Atos — também em Romanos 8:26 e Filipenses 1:9 por Paulo. Aqui eles estão, sem dúvida, se dirigindo a Jesus como uma divindade pelas seguintes razões (a serem consideradas como um argumento cumulativo): 1) Lucas usava frequentemente o termo Kurios (Senhor) para se referir a Jesus; 2) No versículo 1:21, Pedro se refere a Jesus como Senhor; 3) O verbo usado por Lucas no versículo 1:24 para a palavra “escolhido” (exelexatō) é o mesmo que aparece no versículo 1:2, onde se afirma que Jesus escolheu os apóstolos.
Por outro lado, em uma passagem “Q”, Jesus exige devoção absoluta acima da família e dos entes queridos: “Se alguém vem a mim e não me ama mais do que ama o seu pai, a sua mãe, a sua mulher, os seus filhos, os seus irmãos, as suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” O amor acima de todas as coisas, como Jesus exige, é uma honra reservada apenas a Deus. Claramente, Jesus acreditava que era digno desse tipo de amor.
Em 1 Coríntios 1:2, Paulo escreve à igreja dirigindo-se especificamente àqueles “que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.” Essa invocação de Jesus é semelhante à de Romanos 10:9-14. No versículo 9, Paulo chama Jesus de “Senhor” no contexto do processo de salvação pela fé em Cristo. Então, no versículo 13, ele cita Joel 2:32 “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, mas em vez de atribuir esse processo de salvação a Yahweh (YHWH), Paulo o aplica a Jesus! Essas passagens — e outras — mostram que Jesus estava recebendo honras exclusivas de Deus já em 36 d.C. Não é surpreendente que a adoração de Jesus como uma divindade seja mencionada pelo governador romano Plínio, o Jovem, por volta de 112 d.C.
Isso não apenas demonstra que a divindade de Cristo não foi inventada no Concílio de Nicéia, mas sim que, desde uma época muito próxima à crucificação, Jesus já era considerado uma divindade por seus seguidores mais próximos, o processo de salvação é atribuído a ele, e ele é invocado e adorado como Deus.
Em nosso próximo artigo: Jesus compartilha atributos com Deus.
Continua…